quarta-feira, 29 de junho de 2016

TERRA FIRME

Obra de Manuel Pinto da Costa, que faz retrato do país, contextualizando nesta «Aldeia Global» lançando desafios e contornos pedagógicos que deverão « fazer de São Tomé e Príncipe uma terra firme de oportunidades».

A respeito da obra, General António Ramalho Eanes escreveu:
«...Neste minucioso e realista processo de diagnóstico-terapia de São Tomé, ênfase põe no papel do Presidente da República - Presidente de todos os São-Tomenses - pelo que significa e pode enquanto defensor da Constituição, de promotor das liberdades, e de mediação entre a sociedade civil e o poder político, entre partidos políticos, entre o presente, interna e internacionalmente , a um tempo constrangente agora, promissor no futuro, se todas as oportunidades, e muitas são, tiverem proveito, com zelo competente, com realismo, com estabilidade governativa, com interação virtuosa entre a Sociedade Civil e os Partidos Políticos.
Papel ciclópico, mas possível, este da segunda «descolonização» de São Tomé e Príncipe - o da libertação do subdesenvolvimento, da miséria, da instabilidade governativa, da colonização partidária da Sociedade Civil, da corrupção, e o da renovação da confiança entre todos e de esperança de todos, jovens em especial, num futuro melhor, que exige, não um Presidente da republica providencial, mas tão só um homem que reúna um certo número , se possível, de comprovadas características: 1-Um homem cuja integridade patriótica e moral esteja fora de toda a dúvida e de toda a suspeita; 2- Um homem que esteja acima dos partidos, das suas lutas facciosas... 3- Um homem com sentido de Estado, que saiba contribuir para a reforma, confinando-se às suas funções, levando-o com rigor, transparência e eficácia a bem gerir...»
Trataremos de proporcionar aos leitores da nossa página, nos próximos dias, alguns enxertos desta interessantíssima obra de Dr. Manuel Pinto da Costa, sobre: A transição para a Democracia; A Instabilidade e Desenvolvimento; O Problema da Corrupção; Restaurar a Confiança; Dialogar para a Mudança; Unir para o Desenvolvimento; A importância Geoestratégia do Golfo da Guiné e o Papel de São Tomé e Príncipe; Petróleo e Desenvolvimento; Desafios para a próxima década»
G.V.


PARTE II
TRANSIÇÃO PARA A DEMOCRACIA

Pinto da Costa foi o Primeiro Presidente em África que tendo assumido a liderança do País na altura da independência, Conduziu ele mesmo o processo que levou à democracia multipartidária antecedida de uma Conferencia Nacional que reuniu na altura todas as sensibilidades, numa discussão franca e aberta, durante dias numa assembleia magna no Palácio dos Congressos.
Vamos dar hoje a conhecer aos leitores da nossa página o conteúdo do capítulo do Livro «Terra Firme », sob a designação: A transição para a Democracia.
Nada melhor do que citar o próprio autor:
«O Partido que liderava, teve a capacidade e a visão de antecipar a evolução da conjuntura internacional e regional. impulsionou e levou a cabo uma transição para o sistema democrático multipartidário , depois de um profundo e histórico debate na sua Conferencia Nacional, realizada, entre 5 e 8 de Dezembro 1989.
Recordo-me de que falei pela primeira vez na necessidade de abertura do regime em 1985 durante um comício. Estavam a completar-se 10 anos desde a independência... O São-tomense de 1985, já não é igual ao de 1975. Houve uma evolução. Existem na sociedade cidadãos que não são militantes do MLSTP. Têm os mesmos direitos que os filiados e um contributo válido a dar ao país. temos de abrir espaço e dar oportunidade a que todos, com ou sem cartão partidário, possam dar a sua contribuição...Foi na Ilha do Príncipe... Paralelamente avançou- se politicamente com a abertura da economia à iniciativa privada. Em 1987 apresentamos ao partido a tese "o Envolvimento Político Económico e Social dos São-tomenses no processo de desenvolvimento do País". Um documento que estabelecia as orientações para as mudanças no modelo económico... Foi assim consagrado o princípio segundo o qual o Estado São-tomense deveria gradualmente sair das empresas nacionalizadas e criar condições para entregar essas empresas à iniciativa privada...
A história da Conferencia Nacional de 1989, à qual presidi, foi o momento político que marcou uma verdadeira revolução tranquila que conduziria a mudança de regime. Saltamos o murro antes de ele ter sido demolido. Foi uma iniciativa pioneira em África...
São Tomé e Príncipe foi Primeiro país africano a transitar de um regime de partido único para uma democracia de matriz ocidental... Eu estive presente, ao contrario de outros presidentes em países que realizaram iniciativas similares... foi a única dirigida pelo Chefe de Estado. Essa é uma marca da minha liderança que recordo com orgulho.
Não há muitos casos na história global de mudanças de regime para a democracia em que tenha sido o próprio partido único no poder a tomar a iniciativa e a liderar a mudança.
A viragem aconteceu alguns meses antes da importante conferencia de La Baute, em que o presidente Francois Miterrand falaria na necessidade de uma nova era para a África, assente na democracia e nos direitos humanos. Mais uma vez, São Tomé e Príncipe já estava um passo em frente nesse objetivo...
Para dotar o país de um instrumento fundamental em democracia, optou por fazer-se uma nova constituição cujo anteprojeto foi elaborado pelo reputado constitucionalista português Jorge Miranda... O convite à Jorge Miranda que eu próprio enderecei resultou da escolha clara por um regime democrático de matriz ocidental... Foi com base no seu anteprojeto que nasceu a Constituição de 1991...»
in «Terra Firme »
O capítulo reservado A Instabilidade e Desenvolvimento será a próxima referência nossa.

G.V

PARTE III
INSTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO

A instabilidade tem sido um dos maiores obstáculos ao crescimento do país, caracterizado pelas quedas sucessivas dos governos .
Os dois Presidentes da República anteriores demitiram governos com maiorias absolutas apenas por motivos pessoais que nada tinham a ver com os superiores interesses do país
Os governos em São Tomé e Príncipe vinham tendo muito pouco tempo para realização dos seus programas pelas constantes quedas, adiando sempre as oportunidades de desenvolvimento do país.
Pinto da Costa ressalta no livro Terra Firme, sobre a instabilidade e desenvolvimento o seguinte:
« Esta crónica instabilidade política, a falta de tempo, variável tão importante para quem governa, tem inviabilizado a implementação, com principio meio e fim, de programas de governo coerentes... Ciclos políticos tão curtos de exercício de poder têm sido, e continuarão a ser um sério handicap à concretização das reformas de que o país carece . Aqui ou em qualquer parte de mundo, a permanente "dança de cadeiras" torna quase impossível levar a cabo politicas estruturais e a ação dos sucessivos governos demasiado permeável a aspetos meramente conjunturais que em nada contribuem para a correta resolução dos problemas. Os políticos transformaram-se em bombeiros que se limitam a apagar fogos, sem tempo para atacar as suas causas. O permanente clima de campanha eleitoral em que o país tem vivido, empobrece a missão nobre da política, transformando -a muitas vezes numa mera questão pessoal, impedindo, dessa forma, que o debate se faça saudavelmente a volta de ideias e soluções diferentes... Que seja claro que não questiono sequer o papel central e fundamental dos partidos no regime democrático. não há democracia sem partidos. Defendo no entanto, que o sistema partidário não pode asfixiar outras formas de participação cívica dos cidadãos... A estabilidade não é um fim, mas é claramente, um instrumento fundamental para levar a cabo políticas que resolvam de facto os desafios que o país enfrenta. Estabilidade não significa ausência de debate , antes pelo contrario... É necessário combater também a ideia, instalada nos últimos anos, entre nós que o cartão partidário é uma espécie de passaporte para subir na "hierarquia" social e ter acesso às correntemente chamadas "benesses" do Estado. A possibilidade de cada um ascender socialmente é uma característica natural de regimes livres e democráticos, baseados no individuo e na possibilidade da sua realização pessoal. o filho de pobre não pode nascer condenado a ser pobre, assim como o filho de analfabeto à ignorância. Qualquer um tem o direito, ou mesmo o dever, de aspirar a uma vida melhor...
Como pilares essenciais da democracia, os partidos devem, mais do que nunca, estar permanentemente conectados, permitam-me a expressão, a sociedade. É nessa ligação que deve residir a sua força e não noutros aspetos. Essa deve ser uma preocupação primordial na sua organização interna e na forma como se relacionam com o exterior. O seu caracter estruturante exige uma interação permanente com os cidadãos, que são ou deveriam ser a principal referencia na forma com se organizam.
O poder de atrair novos protagonistas, depende em grande parte, da forma como essa organização, está mais ou menos acessível ao exterior. sem menosprezar o papel dos militantes. existem sinais, mais que evidentes, das consequências de forças partidárias herméticas e fechadas sobre si próprias.
Os avanços tecnológicos dos últimos anos, sobretudo a evolução da internet, colocaram ao dispor do individuo novas formas de comunicar e de intervir diretamente no espaço que o poderia sem qualquer tipo de intermediação, até há bem pouco tempo era desenvolvida, quase em exclusividade, pelos partidos...As redes sociais e os blogs vieram ainda mais potenciar esse fenómeno...
Adequar o discurso partidário em geral às exigências dos cidadãos em cada momento é um sinal de maturidade e de atenção ao pulsar da sociedade... Muitas vezes o debate desenrola-se em circuito fechado sobre casos que pouco ou nada interessam à população... urge discutir, sem complexos de qualquer índole, a forma como se faz política no país... debate que deve também, em última análise , condições de governabilidade através de formação de maiorias estáveis e coerentes, que assegurem, de facto, ciclos governativos de 4 anos... A ausência de estabilidade... é a principal causa da estagnação a que chegamos. Um preço demasiado alto que o povo não pode nem deve pagar.
A estabilidade não é um fim em si mesmo. Mas é o escopro e o martelo para construir um futuro sustentável. A instabilidade consome recursos e energias. Desgasta instituições. promove interesses, egoísmos e ambições ilegítimas. Desumaniza a política. O respeito pela pobreza de tantos exige de alguns um mínimo de disponibilidade para o consenso indispensável rumo ao porto seguro... A estabilidade governativa tem de ser o mínimo denominador comum, independentemente de quem está no poder ou na oposição. Resolver essa equação é dar o primeiro passo no caminho certo, e dar o primeiro passo nesse sentido implica, desde logo e em primeiro lugar, sobrepor o interesse nacional a todos os outros interesses em presença, não pondo em causa aquilo que é a essência da democracia, o confronto de ideias e a divergência de opiniões.
Estabilidade não significa unanimismo...há um núcleo central de direitos e deveres em democracia que nunca, em qualquer circunstancia, pode ser posto em causa sob pretexto de qualquer urgência ou estado de necessidade.
A reforma do sistema político deve ser um objetivo premente e de curto prazo, a ser alcançado através de um acordo, o mais alargado possível entre as forças politicas em presença.
A estabilidade é uma variável determinante nas decisões de investimento, cujo peso aumenta quanto maior for a sua dimensão. A internacionalização da economia exige a continuidade e previsibilidade , e São Tomé e Príncipe precisa de grandes investimentos públicos e privados nos próximos anos para quebrar o circulo vicioso de pobreza e assegurar a viabilidade da nação» in Terra Firme.

G.V

PARTE IV
O PROBLEMA DA CORRUPÇÃO

Um dos crassos problemas que grassa a nossa sociedade e de difícil solução é a corrupção. Combater e prevenir tem sido um verdadeiro calcanhar de Aquiles. Aliás isso é um dos problemas transversais hoje no mundo inteiro.
A questão está na sua dimensão, nos seus contornos e nas respostas (ausência da resposta) e nas consequências, políticas e social dela
em São Tomé e Príncipe.
No Livro "Terra Firme" Pinto da Costa escreve:
«Não é ariscado sublinhar que, nos dias de hoje, será talvez a mais séria ameaça à solidez dos regimes democráticos ...Um fenómeno silencioso e subterrâneo que mina a confiança dos cidadãos nas instituições e nas pessoas que entregam à missão de servir o bem comum e, em ultima análise, no estado. Delapida riquezas dos países, desvia recursos, acentua desigualdades e pode inclusive por em causa a tão necessária coesão social...Não tem limites nem conhece fronteiras. Afeta a vida política, a economia, as instituições publicas e privadas de uma forma inadmissível, beneficiando alguns do que devia ser de todos. Tem se instalado nos últimos tempos, na sociedade são-tomense a ideia de que a corrupção é uma fatalidade e está geralmente associada ao exercício de cargos públicos quer sejam políticos ou não. Esta é uma ideia que tem de ser energicamente combatida. Ela põe em causa os alicerces do regime e coloca em perigo a tão necessária ainda a consolidação da nossa jovem democracia. Julgo por isso que é imperioso fazer de combate à corrupção um tema obrigatório do discurso político catual... uma preocupação comum a todos os poderes do Estado, as organizações da sociedade civil e em ultima instancia, a todos os cidadãos... Resolver o problema da corrupção passa em primeira instancia, por um combate a suspeição, e nesse capitulo, é fundamental a forma como se realiza o debate sobre a questão... Essa tarefa cabe primordialmente ao poder judicial, no quadro da separação de poderes de um Estado de Direito...Encaremos de frente o problema sob pena de todos sermos coniventes com uma inevitável implosão de um regime que de democrático só conservará a fachada...»
in Terra Firme
G.V.